21 de janeiro de 2013

Entrevista de Barrichello em 2002




Transcrevo aqui trechos de uma entrevista de Rubens Barrichello, dada ao repórter  Matt Bishop em 2002 e publicada originalmente na revista F1-Racing de Julho de 2002 e publicada no Brasil na Racing nº 96.

Reparem como, na época, a postura de Barrichello era diferente em relação à Ferrari, Schumacher, Todt e até mesmo às ordens de equipe. Os destaques (em vermelho) são por minha conta.


Matt Bishop: Você gosta dele (Michael Schumacher)?
Rubens Barrichello: Claro. E nossa relação tem melhorado durante os anos. Inicialmente, estava sempre dizendo a mim mesmo: "Tenho de superá-o, tenho de superá-lo, tenho de superá-lo". E isto estava pioando as coisas. Mas está tudo tranquilo agora. Aceitei o meu lugar e conquistei este espaço.

(...)

MB: E quanto ao Jean Todt [chefe de equipe]? Como é o seu relacionamento com ele?
RB: Quando foi anunciado [em meados de 1999] que eu estava deixando a Stewart  para entrar na Ferrari, todos diziam: "Tenha cuidado com isso, tenha cuidado com aquilo, Schumacher isso, Schumacher aquilo." Mas a grande maioria dizia: "Todt isso, Todt aquilo." Então, quando cheguei em 2000, estava muito nervoso, muito receoso. Assustado, até. E, por consequencia, eu estava muito defensivo. Mas o problema era comigo, não com Jean. Eventualmente, conversávamos mais – e eu aprendia mais. E muito lentamente nos tornamos bons amigos. Ele tem uma relação de pai e filho com Michael, é claro, mas eu aceito isso.

MB: Isto não é tão incomum dentro das corridas, é? Você e Jackie [Stewart] tiveram um laço semelhante quando você estava na Stewart, por exemplo.
RB: Exatamente, e de certa forma, ainda mantemos. Você não escolhe estas coisas. Elas simplesmente acontecem. Michael só passou pela vida de Jean. Ele não pensou: “Vou adorar o Jean” ou “o Jean vai me adorar”. Aconteceu da mesma forma que aconteceu comigo e Jackie. A relação especial entre Jean e Michael não me faz sentir inseguro. É pessoal, mas isso não altera o profissionalismo deles dentro da Ferrari.

MB: Como você pode ter certeza?
RB: Bem, como você pode estar totalmente inseguro? As pessoas lendo isto dirão: “Rubens foi enganado” ou “Rubens está mentindo”. Mas lhe garanto que este não é o caso. Estou muito confiante. Sei onde piso. Tenho que combinar esta convicção e conhecimento com um senso de confiança. É sempre um mergulho no desconhecido, porque você nunca pode saber com certeza. Até mesmo com as esposa ou namorada, é sempre um ato de fé. Mas amo minha esposa e amo meu filho. Estou com um ótimo estado de espírito no momento e queria tirar vantagem de tudo isso. Eu  repito: Gosto do Jean como pessoa e acho que ele faz um ótimo trabalho para mim. Talvez todos os problemas na Áustria mudarão suas idéias [sobre a implementação de ordens na equipe], agora que Michael está muito à frente no campeonato, ou talvez não. Mas não penso nisso. Minha hora está chegando e acho que Jean reconhece isso.

MB: Ah! Áustria! Você já sabia que eu chegaria a esse assunto espinhoso a qualquer hora! Conte-me o que você achou de todas as coisas anti-Schumacher e anti-Todt que apareceram depois na imprensa.
RB: Para ser honesto, senti muito por eles, principalmente por Michael. Não estou certo de que era desejo seu que eu devesse deixá-lo ultrapassar. O conheço há aproximadamente três anos agora e sinto que ele não queria que isso acontecesse. Depois da corrida ele veio até mim e admitiu que a corrida havia sido minha. Ele disse: “Como você fez isso? Você foi fantástico hoje!” Ele sabia que era o meu dia e foi o meu dia. Senti muito por ele e pedi aos jornalistas que não o vaiassem [na coletiva depois da corrida]. Era muito rude.

MB: E quanto à reação dos fãs?
RB: Isso eu entendo melhor. É como Mike Tyson ganhando toda hora. O público deseja vê-lo derrotado. Não é nada pessoal. É uma reação normal. Todos se sentem assim. Então, quando os fãs viram que eu estava ganhando, eles se sentiam bem. Uma mudança para variar. E quando eles viram que não haveria uma mudança, apesar de tudo, eles se sentiram mal.

MB: Mas foi ruim principalmente para a Ferrari, não foi? A administração da Ferrari preferiria que você tivesse deixado Michael passar algumas voltas antes ou de um jeito menos óbvio?
RB: Acho que não. Conversamos pelo rádio por três voltas, muito calmamente. Não foi como o último GP da Áustria, que foi uma discussão. Este ano, lembre, acabei de assinar um novo contrato de dois anos. Não fiz discussão, nenhum argumento. Conquistei meu espaço.

MB: O que foi dito, exatamente:
RB: Eles me pediram para eu dar passagem. Eu disse: “É realmente isso que vocês querem que eu faça?” Eles disseram: “Sim, é”. Eu disse: “Vocês falaram com Michael sobre isto?” Eles disseram: “Sim, falamos.” Então eu disse: “Ok.” Foi isso.

MB: Disseram quando e onde fazer?
RB: Não.

(...)

MB: À sua frente estão outros 40 e tantos Grandes Prêmios como segundo piloto de Michael. Como um homem tão talentoso e tão ambicioso como você pode aceitar essa situação?
RB: Olhe, de uma certa forma não aceito isso. Mas é uma coisa interna. Somos uma equipe. Estamos em perfeita harmonia. E até agora Michael tem sido o piloto mais rápido. Ele chegou na Áustria com 44 pontos; eu tinha só seis. Eu não finjo que gostei deixá-lo ultrapassar – na realidade, sentiria pena de mim mesmo se o fizesse. Mas, como você disse, sou ambicioso. Sou muito ambicioso. Então, bem... as coisas mudam.

MB: Se, ano que vem, você estiver à frente de Michael no campeonato, você espera que ele receba ordens para dirigir em defesa de seu título?
RB: É claro. Nossos contratos estão escritos exatamente da mesma forma. Então, ele teria que me apoiar. Está em preto e branco. A pessoa que está atrás do campeonato tem de seguir ordens de equipe. É isto. E Michael fez isso no passado, não fez? [no GP da Malásia, em 1999, favorecendo seu companheiro de equipe Irvine].

MB: De alguma forma, acho que você foi de fato beneficiado pelos acontecimentos da Áustria.
RB: Sim. Acho que ganhei mais do que qualquer um. O que veio depois foi tão enorme, tão enorme, que todos me viram como um vencedor. De certo modo, ganhei mais do que se tivesse ganhado a corrida. Realmente, acho que isso é verdade. Sei que venci, afinal de contas. E então disse a mim mesmo: “Na próxima vez que vencer, Rubens, mostre três dedos no pódio, para mostrar que esta é sua terceira vitória em Grandes Prêmios.”

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